Gilbert Durand (Durant)

As ciências humanas estão em crise. Psicologias, sociologias, histórias e etnologias confundiram sua intenção, o Homo sapiens, com um método unidimensional herdado de uma física ultrapassada desde o surgimento do “Novo Espítito Científico. Gilbert Durand constata que esta derrota peremptória deveu-se apenas a uma miragem pedagógica…

Trechos do livro:
pg 81
Simplificando, este divórcio entre Oriente islâmico e Ocidente cristão não deve ser considerado como a separação de duas correntes paralelamente contemporâneas, ritmadas por não se sabe qual história única e cujos avatares de uma seriam quase homólogos aos da outra. A história global da humanidade é um dos grandes mitos do Ocidente do século XIX. Aqui, ao contrário, trata-se de uma divergência fundamental na qual nem mesmo interferem os contatos, muitas vezes brutais, que do século XII ao XIX, a cristandade enfrentará com diferentes potências árabes e turcas.
Como caracterizar esta “linha divisória” a partir da qual deveria ficar, comparativamente, esclarecida a noção de um Islã autêntico, livre das falsificações da história orgulhosa do Ocidente? Parece que duas características logicamente ligadas uma à outra, opõem-se ponto a ponto no contexto do Ocidente “cristão” e do Oriente islâmico. Primeiramente, enquanto o Ocidente cristão muito cedo opta por uma religião dogmática e sacramental, na qual dogmas e sacramentos são dispensados por um magistério único e cada vez mais centralizado a partir do qual os desvios, transformados em heresias, precisarão de um política inquisitorial, o Islã ao contrário enfatiza o Livro Revelado, o Corão. De um lado, o dever do crente é a submissão ritualística e ética a um clero; do outro, como em toda tradição profética, e especialmente a dos judeus, o dever do crente é a hermenêutica, o deciframento das vontades do Livro. De um lado, a obediência a uma sociedade humana sacralizada pelo magistério que ordena, a Igreja e sua hierarquia eclesiástica e jurídica; do outro, a obediência ao sentido da palavra imperativa de Deus. De um lado a ênfase do valor é colocada no exoterismo do ritual e da sociedade eclesiástica, do outro na gnose da palavra divina.

Em segundo lugar, como resultado desta primeira diferença, o Ocidente cristão, encarnado por uma sociedade dogmática, vê-se espiritualmente condenado ao estado de crise permanente, ao regime da “grande dor física” – mesmo que seja a da consciência! – e dos trâmites do “aggiordamento”. Pois o dogmático, sociológico de algum modo, da Igreja, procedendo, por definições rígidas, das verdades que devem valer para todos, e, aliás, submetida à temporalidade – ou seja, à mudança – de toda instituição humana, é forçada a revisões, ajustamentos periódicos aos objetos do mundo e aos progressos profanos. A história do Ocidente é apenas uma sequência de concílios e de excomunhões. Por isso ela se mostra, tão facilmente aos olhos céticos e filosóficos do historiador, como dialética: ela relativiza, ela adapta o Absoluto.